Documentários brasileiros que vão muito além do carnaval e futebol

Há cerca de um mês foi lançado pela plataforma digital Netflix o documentário político “Democracia em Vertigem”, de Petra Costa. Fazendo uso de memórias pessoais da própria diretora, o filme faz uma análise da política brasileira nos últimos anos, que culminou no Impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, e na crise política pela qual o país está passando. A recepção no exterior foi bastante positiva, sendo inclusive classificado pelo The New York Times como um dos melhores filmes do ano, e apontado pela mídia especializada como favorito à categoria de documentário para o Oscar de 2020. Já no Brasil, o debate foi bastante polarizado, sendo ainda muito discutido, principalmente nas redes sociais.

Esse não foi o único documentário que gerou debates acerca de problemas locais. Separamos aqui 5 recomendações de outros grandes documentários brasileiros para você assistir.

Lixo Extraordinário (99 min, 2010)

A ideia do documentário surgiu com o objetivo de mostrar o trabalho do artista plástico brasileiro Vik Muniz. O artista é conhecido internacionalmente por usar em suas obras técnicas e materiais inusitados, como alimentos, materiais de construção e produtos recicláveis. Quando a diretora inglesa Lucy Walker chegou ao Brasil para as gravações, Muniz estava trabalhando em uma série de fotos sobre lixo e aterro no Jardim Gramacho, em Duque de Caxias, Rio de Janeiro.

O Jardim Gramacho, desativado em 2012, é o maior aterro sanitário da América Latina, e, naquele período, servia como fonte de renda para mais de 1.600 catadores. Vik Muniz fotografou um grupo de sete catadores, e depois, usando o próprio lixo reciclável coletado por essas pessoas, transformou as fotos em gigantescas obras de arte.

Ao longo dos dois anos de gravação, o rumo do documentário foi mudando conforme o artista foi criando laços com os catadores que trabalhavam no lixão. A proposta inicial de mostrar o processo de criação do artista a partir dos dejetos encontrados no aterro tornou-se um meio para denunciar os problemas sociais, ambientais e as duras condições de trabalho a que pessoas que dependem do lixo para sobreviver são submetidas.

O documentário “Lixo Extraordinário”, além de ter sido dirigido pela inglesa Lucy Walker, também contou com a direção dos brasileiros João Jardim e Karen Harley, e recebeu os prêmios do público para Melhor Documentário Internacional nos festivais de Sundance e de Berlim (onde também recebeu um prêmio da Anistia Internacional), além de ter sido indicado ao prêmio de Melhor Documentário no Oscar de 2011.

Quebrando o Tabu (58 min – 2011)

O polêmico documentário propôs um debate acerca da descriminalização do consumo de drogas e a ineficácia do sistema de guerra contra as drogas adotado no país. O longa começa sua discussão partindo da decisão tomada há 40 anos pelos Estados Unidos de incentivar os países a adotarem uma abordagem repressiva para o combate às drogas.

A partir disso, mostra as relações históricas do homem com as drogas, os resultados dessa repressão, o papel do tráfico nesse contexto, as informações equivocadas que são popularmente tidas como verdades, a falta de informação, e as novas medidas adotadas por alguns países que passaram a tratar o uso de drogas como uma questão de saúde pública ao invés de crime.

Um dos idealizadores e condutor do documentário é o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que, por meio de mais de 170 entrevistas (realizadas com políticos como Bill Clinton e Jimmy Carter, profissionais da saúde, personalidades como Paulo Coelho, ex-traficantes e ex-usuários) e viagens ao México, Suíça, Portugal, Holanda e Estados Unidos, aborda todas essas questões.

O Renascimento do parto (90 min – 2013)

O documentário “O Renascimento do Parto” discute a realidade da obstetrícia brasileira, onde 52% dos partos são cesáreas, quando o recomendado pela OMS é entre 10 e 15%. Esses números são ainda mais assustadores na rede privada, onde 85% das gestantes dão à luz por meio cirúrgico.

Preocupados com esse cenário, o casal Eduardo Chauvet e Érica de Paula, que é doula, viajou durante dois anos pelo Brasil para recolher relatos e opiniões de mães, médicos, antropólogos, parteiras e gestores públicos. Por meio dessas entrevistas eles tentam desmistificar e resgatar a importância do parto normal e apontar e debater os riscos e prejuízos que mãe e filho enfrentam em uma cesárea, assim como as justificativas sem sustentação científica usadas para incentivar mulheres a decidirem por ela.

Um dos destaques é a entrevista com o famoso médico francês Michel Odent, grande defensor do parto humanizado. Segundo ele, em condições muito específicas durante o trabalho de parto a mulher libera um coquetel de “hormônios do amor” que será fundamental ao longo da vida da criança. O grande questionamento dele é o que acontecerá com a humanidade uma vez que essas crianças não mais recebem esse coquetel.
O documentário independente terminou 2013 com a segunda maior bilheteria de documentários nos cinemas do país.

Criança, A alma do negócio (50 min – 2008)

O debate central do documentário é o grande poder que a mídia de massa e as publicidades têm de influenciar crianças a comprarem. A indústria percebeu que as crianças são mais fáceis de serem convencidas e que ao mesmo tempo são muito influentes dentro de casa, e por isso, são um ótimo alvo para suas propagandas. Além disso, são essas crianças que serão os futuros consumidores.

Por meio de conversas com crianças, pais e especialistas, o debate sobre a publicidade infantil, as consequências negativas no desenvolvimento da criança, assim como o amadurecimento precoce, e os meios de comunicação que mais influenciam crianças é aprofundado.

Produzido pelo Instituto Alana, dedicado à proteção da criança, o documentário convida o telespectador a refletir seu papel e tomar parte dentro desse cenário.

Ilha das Flores (13 min – 1989)

Em apenas 13 minutos o documentário consegue impactar o telespectador ao mostrar as relações desiguais no sistema capitalista por meio da trajetória de um simples tomate. O tomate é plantado, comprado, descartado, chega no depósito de lixo em Ilha das Flores, próximo de Porto Alegre. Lá, o tomate é disputado por crianças famintas após ser rejeitado por porcos.

O roteiro de Jorge Furtado faz uma forte crítica à desigualdade social, e mesmo após 30 anos do lançamento, consegue ser bastante atual. “Ilha das Flores” ganhou o prêmio Urso de Prata para curta-metragem no festival de Berlim em 1990, e esse ano foi eleito o melhor curta brasileiro de todos os tempos pela Associação Brasileira de críticos de Cinema (Abraccine).

Written by: Sherlock Communications