A reunião do Comitê Federal de Mercado Aberto (FOMC) trouxe uma mensagem clara, mas também gerou incertezas nos mercados: o Federal Reserve dos Estados Unidos decidiu manter as taxas de juros inalteradas, embora com uma divisão interna que não era vista há décadas. Pela primeira vez em mais de 30 anos, dois membros votaram contra a decisão, pedindo um corte, o que reflete a crescente tensão sobre o futuro da política monetária e a pressão sobre o presidente do Fed, Jerome Powell.
Enquanto Powell adota uma postura cautelosa, aguardando mais dados antes de tomar qualquer decisão sobre cortes, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, intensificou suas críticas. Trump chegou a dizer que, caso Powell não reduza as taxas em breve, “o conselho do Fed deveria intervir e assumir o controle”. Nesse cenário, a mensagem de Washington foi mais política do que técnica, e já tem repercussões diretas na América Latina.
As moedas, as taxas de juros e as decisões de investimento na região estão diretamente ligadas ao comportamento do Fed. Uma política monetária restritiva prolongada nos Estados Unidos costuma pressionar as economias emergentes, provocando saídas de capital, encarecendo o crédito internacional e pressionando as moedas locais. No entanto, cada país enfrenta esse cenário de maneira diferente.
Saiba como o anúncio foi interpretado em alguns países da região e o que isso pode significar no curto e médio prazo:
Na Argentina, a decisão do Fed foi acompanhada com atenção, mas sem grandes surpresas. A escolha de manter as taxas altas e a divisão interna no FOMC geraram reações políticas e econômicas locais. Como destacou a Forbes Argentina, a divisão dentro do FOMC marca uma virada histórica: pela primeira vez em três décadas, o consenso foi rompido, refletindo as dúvidas internas sobre o que fazer diante de dados econômicos conflitantes.
Esse cenário se soma ao processo de reestruturação econômica que o país enfrenta. O governo de Javier Milei precisa de taxas internacionais mais baixas para facilitar o acesso ao financiamento externo e reativar investimentos. Contudo, o impacto imediato se dá na política cambial. A expectativa de taxas elevadas nos Estados Unidos continua pressionando o dólar, e com o controle cambial ainda em vigor (para empresas), isso aumenta as tensões internas no mercado de câmbio.
Do ponto de vista financeiro, o mercado observa atentamente a evolução dos rendimentos dos títulos do Tesouro dos Estados Unidos. Mudanças na política monetária do Fed podem afetar o apetite global por ativos de mercados emergentes. Países com acesso limitado ao financiamento externo, como a Argentina, podem enfrentar desafios adicionais se as taxas continuarem altas.
No México, a decisão do Fed de manter as taxas altas e com um voto dividido reflete a necessidade de manter uma política monetária cautelosa. Segundo o Banco do México (Banxico), a inflação mostrou sinais de moderada desaceleração em alguns setores, mas a inflação subjacente ainda permanece alta. Além disso, o diferencial de taxas entre o México e os Estados Unidos diminuiu, o que limita a possibilidade de novos cortes na taxa de referência mexicana. Por isso, o Banxico continua cauteloso, evitando pressões inflacionárias e volatilidade cambial, e monitorando o cenário global antes de ajustar sua política monetária.
A Associação de Bancos do México (ABM) confirmou que o sistema bancário mexicano segue sólido, apesar do cenário externo criado pela política monetária restritiva dos EUA. No entanto, destacou que as altas taxas de juros nos Estados Unidos e a incerteza gerada pela divisão no FOMC têm afetado o apetite dos investidores e a dinâmica do crédito, criando desafios para o financiamento, o investimento e a estabilidade cambial no México.
Apesar da decisão do Federal Reserve de manter as altas taxas de juros, que poderia inicialmente atrair investimentos estrangeiros em busca de maiores retornos, o Brasil enfrenta sérios desafios econômicos. O país ainda luta contra uma inflação acima das metas, e as taxas de juros internas, impostas pelo Banco Central, dificultam a recuperação econômica no curto prazo.
“Não precisamos estar subordinados ao dólar no nosso comércio internacional”, disse Lula, refletindo o objetivo do seu governo de reduzir a dependência do Brasil em relação ao dólar americano. Isso se alinha aos esforços do governo para buscar alternativas comerciais que não dependam do dólar, especialmente em um cenário onde a força do dólar tem pressionado ainda mais a balança comercial do país.
Setores como o agronegócio, que depende de insumos importados, e a indústria, que precisa de equipamentos e máquinas estrangeiras, são particularmente afetados pelos custos crescentes devido à valorização do dólar. O setor consumidor também está sentindo os impactos, já que os altos custos do crédito estão reduzindo o poder de compra e desacelerando a demanda em setores como o varejo e o automotivo.
Para as empresas no Brasil, o cenário continua desafiador: as taxas de juros elevadas continuam restringindo o acesso ao crédito, aumentando os custos de financiamento e desacelerando os investimentos em setores-chave, como infraestrutura, tecnologia e energias renováveis.
O aumento na cotação do dólar na Colômbia é apenas um dos efeitos que o país enfrenta diante de uma série de eventos internacionais e decisões políticas. Um dos principais fatores dessa volatilidade é a intensificação da guerra tarifária impulsionada pelo presidente dos EUA, Donald Trump. Esse cenário pode desencadear um efeito dominó, pressionando outras potências a defender seus interesses comerciais e aumentando a incerteza no mercado global.
A União Europeia anunciou um plano financeiro para contrabalançar os efeitos dos impostos com uma taxa de resposta de 30%, que será ativada caso as negociações com os Estados Unidos falhem. Esse clima de tensão comercial está moldando uma nova fase de proteção entre algumas regiões, o que é um sinal negativo para os fluxos de investimento internacional e para economias emergentes como a colombiana, que dependem do comércio exterior, da estabilidade do dólar e da confiança dos investidores.
Isso pode impactar a inflação global, e, se isso ocorrer, o Fed terá que reavaliar sua estratégia, mantendo ou até aumentando as taxas de juros, tornando mais atraente investir em ativos denominados em dólares, fortalecendo ainda mais a moeda americana nos mercados globais.
Na Colômbia, quando o dólar sobe, as importações ficam mais caras, o que eleva os custos para empresas que dependem de insumos de fora, aumentando o custo de vida. Nesse cenário, o peso colombiano é duplamente afetado: pela saída de capital em busca de mercados mais seguros e pela incerteza gerada entre os investidores.
No Peru, a decisão do Fed terá vários impactos. O mais relevante será o efeito sobre a decisão do Banco Central de Reserva do Peru (BCRP) de manter sua taxa de juros de referência em 4,50% ou retomar os cortes. Nos últimos meses, o BCRP tem seguido as orientações do Fed.
Outro efeito importante será sobre o preço do cobre, que caiu quase 20% em um único dia, afetando as exportações e as finanças do país, o que pode impactar diretamente a economia peruana.
O diferencial entre as taxas do Fed e do BCRP pode gerar saídas de capital e pressionar a depreciação do sol peruano. À medida que o dólar se fortalece, o custo da dívida sobe. Embora o BCRP tenha boas reservas internacionais e possa intervir para controlar a volatilidade cambial, um período prolongado de altas taxas nos EUA pode reduzir o fluxo de crédito em dólares para os mercados emergentes.
A aplicação de uma tarifa de 10% sobre os produtos chilenos, a partir de 7 de agosto de 2025, coloca o Chile em uma situação econômica complicada.
Por um lado, a comunidade empresarial está preocupada, especialmente nos setores florestal, agrícola e pesqueiro, que esperam impactos negativos na economia. No entanto, o governo chileno afirma que o impacto será “mínimo”, já que a tarifa de 10% é uma das mais baixas impostas pelos EUA, e o cobre está fora das tarifas mais altas.
Os especialistas concordam que os efeitos imediatos serão limitados e alguns sugerem que o Chile pode até se beneficiar se outros países enfrentarem tarifas mais altas. No entanto, produtos como frango, uvas, laranjas e pneus de borracha podem ser afetados pela concorrência de México e Canadá, que têm acesso livre de tarifas.
Embora os mercados financeiros chilenos tenham resistido aos efeitos diretos das tarifas, o governo adverte que pode haver um “maior impacto a longo prazo”, caso essas medidas se mantenham, destacando a necessidade de adaptação estratégica ao longo do tempo.
A resposta do Chile é de duas frentes: manter o diálogo com os EUA para conseguir a eliminação das tarifas e aproveitar o Tratado de Livre Comércio (TLC) existente, ao mesmo tempo que diversifica os mercados de exportação. O governo está otimista quanto à possibilidade de isentar o país da tarifa de 10%, assim como foi feito com o México e o Canadá.
A política monetária do Fed tem um impacto profundo na América Central e no Caribe, especialmente nos países que dependem fortemente dos Estados Unidos em termos de comércio, investimentos e remessas. A manutenção de taxas altas significa maiores custos de endividamento, menor competitividade nas exportações e pressões sobre a inflação importada.
Os países dolarizados, como Panamá e El Salvador, estão particularmente expostos, já que a política monetária do Fed é, de fato, a política monetária desses países. Para eles, a alta nas taxas de juros nos EUA resulta em empréstimos mais caros e menor investimento interno, desacelerando setores econômicos importantes.
Já em países como Guatemala e República Dominicana, que têm moedas próprias e maior autonomia no controle da política monetária, as decisões do Fed influenciam, mas não determinam completamente as políticas econômicas internas.