Bolívia abre o horizonte para o lítio e a energia

A Bolívia começa uma nova fase com os olhos voltados para o lítio e outros recursos estratégicos. O país enfrenta o desafio de atrair investimento estrangeiro e consolidar um modelo que a permita se tornar um grande ator na transição energética global.

Após quase 20 anos de hegemonia do Movimento ao Socialismo, a Bolívia está se preparando para iniciar uma nova etapa econômica e produtiva. As eleições podem ter marcado o fim de um ciclo, mas o que mais interessa à comunidade internacional não é tanto a transição política em si, mas como essa mudança de rumo pode redefinir a política de recursos naturais em um dos países mais estratégicos para a transição energética global.

O principal desafio agora é equilibrar uma economia com desequilíbrios fiscais e a falta de dólares, enquanto busca atrair investimentos externos, principalmente em setores como lítio, gás natural e minerais críticos. A grande questão para os investidores é se a Bolívia vai manter um modelo de controle estatal rígido sobre seus recursos ou se vai abrir espaço para parcerias mais flexíveis com empresas internacionais.

O fim de uma era e as crescentes expectativas

O Movimento ao Socialismo (MAS) dominou a política boliviana por quase duas décadas, criando um modelo econômico baseado no controle estatal dos recursos. Esse modelo trouxe estabilidade nos primeiros anos, especialmente com o aumento dos preços das commodities, mas também gerou rigidez que pesa sobre a competitividade do país.

Agora, com a mudança de ciclo, surge a expectativa de que esse modelo possa ser flexibilizado. Uma transição para um modelo mais misto, com maior participação do setor privado e regulamentos mais claros, poderia ser exatamente o que os investidores estavam esperando. Em um contexto onde a região andina compete para atrair capital para a transição energética, a Bolívia tem uma oportunidade única: deixar de ser o “gigante adormecido do lítio” para se tornar um ator de destaque na cadeia global de suprimentos.

Lítio e minerais críticos no centro das atenções

O lítio, sem dúvida, é o item mais cobiçado nesse cenário. A Bolívia concentra cerca de 21% das reservas mundiais desse mineral, especialmente no Salar de Uyuni. No entanto, sua produção comercial ainda é pequena, se comparada aos seus vizinhos Argentina e Chile, que, junto com a Bolívia, formam o chamado “Triângulo do Lítio”.

As tentativas de industrialização, lideradas pela estatal Yacimientos de Litio Bolivianos (YLB) e parcerias com empresas chinesas e russas, tiveram resultados limitados. Muitos projetos avançaram de forma lenta e, em vários casos, não conseguiram atingir as metas de produção que haviam sido estabelecidas. Para os mercados internacionais, isso resultou em uma década de oportunidades perdidas.

Com um movimento mais favorável ao mercado, a Bolívia poderia atrair o investimento necessário para crescer rapidamente. O desenvolvimento de tecnologias de extração direta de lítio (EDL) é uma das chaves: um método mais eficiente e sustentável que poderia aumentar a competitividade do país em poucos anos. Além disso, abrir a cadeia de valor ao capital estrangeiro permitiria que a Bolívia não só exportasse carbonato de lítio, mas também avançasse para a produção de cátodos, baterias e outros componentes com maior valor agregado.

Um panorama energético mais amplo

Embora o lítio seja o principal foco, ele não é o único recurso estratégico. A Bolívia também possui grandes reservas de gás natural, que têm sido a base de suas exportações nos últimos 20 anos, embora com um recente declínio na produção e contratos. O país também tem ferro, terras raras e outros minerais essenciais para a transição para energias limpas e para a indústria de tecnologia global.

A grande questão é se a nova fase política vai manter o modelo nacionalista e estatal que caracterizou a gestão dos recursos ou se vai avançar para modelos de parcerias público-privadas que permitam a mobilização de capital, tecnologia e conhecimento. A diferença é significativa: enquanto Chile e Argentina multiplicaram projetos de investimento em lítio, a Bolívia tem ficado para trás, apesar de ter reservas maiores.

Implicações para o investimento internacional

Para os investidores internacionais, a Bolívia é tanto um risco quanto uma oportunidade. O risco vem da volatilidade política, da fraqueza macroeconômica marcada pela falta de dólares e da histórica incerteza regulatória. Já a oportunidade está na grande quantidade de recursos naturais do país e na possibilidade de que uma mudança no modelo econômico transforme essa riqueza em projetos reais de investimento.

Os próximos meses serão decisivos para observarmos sinais concretos:

  • Transparência em contratos e licitações, algo essencial para que multinacionais dos EUA, Europa e Ásia considerem investir.
  • Estabilidade macroeconômica e cambial, já que a falta de dólares está limitando o funcionamento normal da economia.
  • Políticas claras de transição energética, que definam se a Bolívia vai se integrar às cadeias globais com regras competitivas ou se vai persistir em um modelo mais fechado.

À medida que a competição geopolítica pelo lítio e pelos minerais críticos se intensifica, a direção que a Bolívia escolher terá impactos que vão além da região. Empresas de diferentes partes do mundo estão de olho em cada movimento, cientes de que a segurança do fornecimento desses recursos será crucial para o futuro energético global.

A Bolívia está em um ponto de inflexão. Sua abundância de recursos naturais lhe garante um papel estratégico na transição energética mundial, mas o grande desafio será como gerenciar essa riqueza. Um ambiente mais aberto, com regulamentações claras e parcerias equilibradas com capital estrangeiro, poderia colocar o país como um dos grandes players no mercado global de lítio e outros minerais críticos.

Para os investidores internacionais, a hora de observar a Bolívia de perto é agora. O rumo que o país tomar nas áreas de energia e mineração vai definir se finalmente vai realizar seu potencial ou se vai continuar sendo apenas uma promessa.

Written by: Patricio Erb